terça-feira, 30 de agosto de 2011

ESPERTEZA E ARROGÂNCIA


No último post comentávamos, neste mesmo espaço, a propósito da Líbia, as jornadas dos tolos, tão comuns na História. Por um dos insondáveis mistérios da vida, três patologias costumam coabitar no espírito de alguns homens: o medo, a paranóia e, como subsidiários dessa manifestação da insânia, ensaios claudicantes de esperteza. A jornada de tolos mais comentada da História foi, como lembramos, a que devolveu o poder na França seiscentista  a Richelieu.
       Temos, no Brasil, alguns casos parecidos, mas nenhum supera o frustrado golpe de Jânio Quadros, há 50 anos. Não há qualquer dúvida sobre as razões (ou desrazões) do bilhete de renúncia que ele enviou ao Congresso, em 25 de agosto de 1961, e abriu o caminho à ditadura militar que sofremos durante mais de duas décadas.
             Combinaram-se muitos fatores, todos devidos à fraqueza moral do presidente eleito em 1960, para levar a 25 de agosto e aos episódios que se seguiram. Como é comum, a arrogância, a prepotência  e os gestos autoritários servem para dissimular a insegurança ou  indicar a paranóia,  ou seja, o exercício de uma lógica lateral à realidade. Jânio fizera espetacular carreira política, tendo sido vereador, prefeito de São Paulo, deputado federal, governador, com um discurso coerente de combate à corrupção. Não foi o único a empolgar com esse moralismo. Um governador de Alagoas, que tinha a sua mesma idade ao  candidatar-se, 30 anos depois, também o fez – e o resultado, nos dois casos, não foi bom. Os dois, por motivos diferentes, não concluíram o mandato.
             O fato é que Jânio exerceu a presidência de forma surpreendente. Alternava medidas sérias, ousadas e prudentes, como as relacionadas à política externa, com decisões ridículas, como as de proibir o uso de maiô de duas peças em público, e mandar reprimir vigorosamente as brigas de galo. Ao mesmo tempo, abandonava o uso de terno e gravata (que continuava a ser exigido aos que visitavam seu gabinete) e adotava o blusão dos oficiais britânicos em serviço na África e na Índia, que, envergado pelo coronel Nasser, do Egito, indicava  postura política antiimperialista. Esses gestos – como os de Collor ao “pilotar” um avião de caça, e do ex- ministro de Defesa, ao envergar uniforme privativo dos generais de Exército – não demonstram o  uso costumeiro da razão.
            Jânio chegara ao poder em um conciliábulo desastroso das circunstâncias. Juscelino se fizera refém de duas forças que haviam garantido sua eleição e o exercício do mandato: o grupo militar liderado pelo general Lott e os trabalhistas de Vargas, que se aglutinavam em torno de Jango. Isso o impediu de conduzir a sucessão de acordo com a sua vontade, que era a de unir lideranças dos dois grandes partidos da classe média (a UDN e o PSD), mediante a candidatura do governador Juracy Magalhães, da Bahia. Não conseguindo articular essa solução (que, provavelmente fosse da mesma forma danosa ao Brasil, como os atos posteriores de Juracy revelaram), foi compelido a adotar a chapa Lott-Jango, e a deixar Tancredo, então candidato a governador de Minas, entregue à sua própria sorte. Mais ainda: se não estimulou, não se opôs a que José Maria de Alkimin abrisse dissidência no PSD mineiro, com a candidatura de José Ribeiro Pena. O resultado foi a vitória de Magalhães em Minas – e a vitória de Jânio Quadros no Brasil. Como Jango dispusesse de grande carisma, como herdeiro direto de Vargas, e as eleições para a vice-presidência fossem desvinculadas da candidatura do titular, houve, de saída, uma oposição clara entre o udenista (ou o que  Jânio fosse doutrinariamente, o que não sabemos até hoje) e o trabalhista João Goulart.
            Jânio, como souberam os que estavam mais de perto, entre eles  os jornalistas José Aparecido de Oliveira e Carlos Castello Branco (que confidenciaram a verdade a alguns de seus amigos) achou que era impossível governar com a oposição de Lacerda e do Congresso e que, para livrar-se do empecilho, bastava contar com os milhões de brasileiros que nele haviam votado. Assim, solitariamente, sem revelar o seu propósito a ninguém, planejou o golpe. Organizou tudo, de forma a que, em 25 de agosto, Dia do Soldado a sua renúncia espantasse o Brasil. Contava com o veto dos militares a Jango, que estava em viagem oficial à China. Estava certo de que o povo e os militares o fariam “desistir” da renúncia e retornar a Brasília com todos os poderes. Viajando para São Paulo, e esperando, em Cumbica, que o fossem buscar em triunfo, constatou a frieza da opinião pública. Os que ele chamou ao aeroporto militar, à espera de apoio – como o próprio governador de Minas – mostraram-lhe que o fato já estava consumado. Alguns anos depois, Collor cairia na mesma ilusão.
          A história não é acomodada. Ela se inquieta, move-se, nem sempre para o melhor rumo, mas tem horror ao marasmo. Os arrogantes e os que se imaginam espertos, não conhecem esse  capricho das circunstâncias, e se perdem, como Jânio Quadros e discípulos menores em nossos anos recentes.
          

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O MERCADO DE ETANOL E O PAPEL DE REGULAÇÃO DO GOVERNO

O Governo bobeou, na crise de 2008, ao não detectar e impedir, com o apoio do BNDES a grandes grupos sucroalcooleiros nacionais, a súbita desnacionalização do setor, com a chegada de multinacionais que já dominam 15% da produção de açúcar e álcool, e que – justamente por serem multinacionais - não  tem o menor compromisso com o abastecimento interno.

Agora, depois da porta arrombada, querem botar tramela, apertando a fiscalização da ANP sob  re a  cadeia de produção de biocombustíveis, e aumentando a produção e distribuição direta de etanol pela PETROBRAS, projeto que vai levar anos e envolver bilhões de reais em investimentos, que  estão mais caros por causa da valorização de ativos derivada do não investimento das multinacionais em novas usinas nos últimos anos.

O caso do etanol, cujo preço foi às nuvens para o consumidor estourando a meta de inflação e que – pasmem – tivemos que importar em grandes volumes dos Estados Unidos para abastecer o mercado interno neste ano, é emblemático de que – ao contrário do que afirmam os mais ferrenhos sacerdotes do Deus Mercado – é preciso, sim, contar com um Estado fiscalizador, vigilante, mobilizador e sinérgico na defesa dos interesses nacionais.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O TREM-BALA E A SUPOSTA FALTA DE FONTES DE FINANCIAMENTO.





A desculpa das empresas que disputam o TREM-BALA para conseguir maiores contrapartidas do governo, de que é difícil levantar dinheiro no mercado para financiar a obra, não procede. Se fosse necessário, apenas os chineses individualmente (aliás, donos da única linha comercial de levitação magnética do mundo),  já  teriam dinheiro para financiá-la totalmente, sem precisar sequer de recursos do BNDES ou da ETAV. Os juros na China estão próximos de 3% ao ano. E o país possui mais de 3 trilhões de dólares em reservas internacionais.

O CADE, A BRASIL FOODS E O FUTURO DO BRASIL NO MERCADO INTERNACIONAL DE ALIMENTOS.

Na avaliação das questões relacionadas ao futuro da BRF – Brasil-Foods, empresa originada da fusão da Sadia com a Perdigão, cabe ao CADE considerar não apenas os interesses imediatos do consumidor, mas também os da nação a longo prazo.

É preciso entender que o mercado brasileiro não é estanque, mas sim parte de um mercado global disputado, de forma encarniçada, por gigantescas empresas multinacionais, como a Nestlé e a Unilever.

Nessas circunstâncias, é fácil perceber como é crucial, do ponto de vista estratégico, para o Brasil, maior exportador mundial de alimentos e também um dos maiores consumidores, dispor de  grandes players para fazer frente, em toda a cadeia produtiva, no mercado global e no mercado interno, aos grandes grupos multinacionais.

PARA REGULAR O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS, SÓ COM A VOLTA DOS POSTOS PRÓPRIOS DA PETROBRAS.


Interessante e conseqüente a proposta do Governo de utilizar a BR (distribuidora de combustíveis da Petrobras) para combater os aumentos abusivos de combustíveis, praticados pelos donos dos postos de gasolina e pelas bandeiras concorrentes.

Mas atuar sobre a distribuição não basta, já que a BR não tem poder de obrigar os seus revendedores a baixar o preço na bomba. A saída para isso pode ser aumentar o número de postos próprios da Petrobras, mesmo que via aquisições.  

Aí sim a BR poderia contribuir decisivamente, como já fazem o BB e a CEF no caso das tarifas bancárias, para impedir o vergonhoso “laissez-faire”, vigente em tantos setores da economia, que possibilita e promove, muitas vezes, um verdadeiro assalto ao bolso do consumidor.